segunda-feira, 8 de julho de 2013

A história que não te contaram

Por Samila Marissa
Uma carta a você que, como eu, é cidadão brasileiro.
Afinal, o que diabos era aquele monte de gente de jaleco branco gritando hoje no meio da rua? E aqueles meninos de cara pintada entoando o hino nacional? E o que você tem a ver com tudo isso?
Bom, meus amigos, o movimento de hoje tinha a intenção de esclarecer a população sobre a vinda de “médicos estrangeiros sem revalidação de diploma”. E o que é isso, afinal de contas?
Nossa presidente anunciou, em pronunciamento na TV, que a proposta para resolver os problemas da saúde brasileira é trazer de outros países milhares de médicos. Mas… isso é bom ou ruim? Ora, se eu chegar pra qualquer cristão e perguntar “você queria mais médicos para atender a população?”, uma boa maioria responderá “sim, claro”, como demonstrou pesquisa do Datafolha (ver referência 1), em que 47% dos brasileiros foram a favor.
Mas… e os 48% da população que foram contra? Será que são todos parentes de médicos e opinaram contra só pro pai/mãe/tio não ter concorrência no mercado? Ou será que eles ouviram o outro lado da história?
Permita-me, meu caro, falar sobre a história que não te contaram…
Há muitos, muitos, muitos anos, na época da Guerra Fria, numa ilha distante, chamada Cuba, a União Soviética investiu dinheiro na saúde. Formaram-se muitos médicos, e Cuba ganhou fama de ter Medicina de ponta. Todavia, o tempo foi passando… Cuba passou de suposto socialismo para ditadura, sofreu deterioração de sua infraestrutura e de seus serviços, mas persistiu a fama da boa medicina.
Fidelzinho, que não é besta nem nada, percebeu que exportar seus médicos seria um negócio e tanto. E é, de fato: rende mais de 5 bilhões de dólares ao ano para o regime cubano, segundo a BBC Brasil (ver referência 2). Isso se faz não é de hoje, e não é só para o Brasil. Há MILHARES de médicos cubanos nos países subdesenvolvidos mundo afora.
Mas afinal, como a ditadura cubana ganha este dinheiro?
Primeiro, explorando os médicos cubanos, uma vez que porcentagem maciça do salário destes volta pro governo cubano; depois, através de favores intergovernamentais, como doação de barris de petróleo e barrinhas de ouro.
Tais médicos cubanos (os “criados para exportação”) são treinados para trabalhar em situações de guerra e em locais precários. São treinados para atender em países miseráveis e recebem treinamento militar, ou seja, estão acostumados à desgraça.
E muitas vezes são obrigados a ver seus pacientes morrerem, já que, como é de se supor, campos de guerra têm situações precárias de atendimento.
E se isso tudo é verdade… por que os médicos cubanos ainda se submetem a tal situação? Primeiro, porque quem vive em uma ditadura tem poucas escolhas; depois, porque, por pior que seja o país para onde eles serão mandados, ainda será melhor do que a exploração à qual são submetidos em Cuba.
Mas já que a situação no Brasil está tão grave… será que os médicos cubanos não melhorariam “alguma coisa”? Bom, temos uma experiência semelhante no Brasil, no Estado do Tocantins. Foi uma das maiores histórias de erro médico deste país. Por quê?
Ora, minha gente… imagine você ser jogado num país estranho, do dia para a noite, para consultar pacientes em condições de trabalho precárias, sem entender o que o paciente fala, com nomes de medicamentos e doenças diferentes, com diretrizes, protocolos e realidade sanitárias COMPLETAMENTE DIFERENTES! Resultado: caos. Tanto que a justiça federal proibiu os profissionais estrangeiros de atuarem no Tocantins naquela época (ver referência 3).
Agora o senhor me diz… “Mesmo assim, ainda faltam médicos no interior deste país!”. E aí eu respondo pro senhor… “faltam, sim”. E sabe por quê?
Porque os gestores de muitas (não todas) das nossas prefeituras obrigam os médicos a trabalharem do jeito que eles querem, fazendo “falcatruas”, beneficiando familiares, atendendo 50 pacientes numa manhã, sem nem deixar o paciente sentar, só para garantir mais votos ao prefeito. E nos pagam um ou dois meses, e depois nos dão um legítimo “pé-na-bunda”… sem falar nos que passam a mão em boa parte do salário do médico.
Trazer os “meninos de Fidel” é a oportunidade perfeita pros políticos brasileiros escravizarem os médicos cubanos, e, na cabeça deles, também os brasileiros.
Eu sei que você precisa de um SUS de qualidade. Eu também preciso. Eu sei que você é um trabalhador. Eu e meus colegas também somos. Estudamos 6 anos na graduação, manhã, tarde e noite; e mais 3 a 6 anos numa residência médica (especialização) que paga 2 mil reais por uma carga horária mínima de 60 horas semanais. E ainda levamos nome de “mercenários” de algumas criaturas.
Nós merecemos, sim, bons salários. Mas não é por fortunas que lutamos. É apenas por uma carreira de estado que nos pague dignamente. E o senhor, merece, sim, ser bem atendido. Era por isso que os meninos de cara pintada gritavam hoje na rua: por uma saúde de qualidade, por uma carreira de estado para os médicos, por uma formação de qualidade e por UMA PROVA DE REVALIDAÇÃO.
Submeter os estrangeiros a uma prova é garantir que só atuará no Brasil aqueles que conseguirem falar português com desenvoltura, aqueles que dominem bem a medicina, e não simplesmente os treinados nos “criadouros de Fidel”.
No mais, saúde não se faz só de médico. É preciso investir na atenção básica, nos hospitais e nas outras profissões da saúde. E lembrem-se: médico ruim e bom tem em todo lugar: no Brasil, em Cuba, na Espanha, em Portugal (há boatos de que os espanhóis e portugueses não pretendem vir – referência 4). Não generalize. E não nos diminua só porque um médico brasileiro um dia o atendeu mal. Venha de onde vier, todo profissional tem que mostrar ser apto para exercer a profissão que escolheu.
Nós não temos a solução para todos os problemas. Mas nós temos vozes que clamam por melhorias. E sabemos que um problema não se resolve criando outro muito maior. Então, meu amigo, lembre-se: nós todos merecemos muito mais do que migalhas. Nós merecemos o banquete completo.
Um abraço.
Samila Marissa é integrante do Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina da Uern
Se você duvidou de alguma coisa neste texto, leia as referências:
1. http://noticias.terra.com.br/educacao/datafolha-pais-se-divide-sobre-vinda-de-medicos-estrangeiros,1107c79eba99f310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html
2. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/06/130608_cuba_medicos_pai.shtml
3. http://www.cremego.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24791&catid=3%3Aportal
4. http://www.hc.ufpr.br/?q=content%2Fnão-virão-médicos-portugueses-e-espanhóis-virão-cubanos-diz-presidente-do-cfm
5. OPINIÃO DA OMS: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/05/130517_oms_brasilmedicos_fl.shtml

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