Quem tem adolescentes em casa ou convive com algum
diariamente cede, muitas vezes, ao impulso de chamar esse período da vida de
“aborrescência”.
De fato, o adolescente passa por muitas mudanças rápidas e, com
elas, vê a necessidade de autoafirmação e a busca por se diferenciar dos pais,
identificando-se mais com os amigos do que com os familiares.
Não poderia ser
diferente, por motivos que incluem também uma questão de identificação, já que
nem mesmo o período que compreende a adolescência é um consenso entre
organizações que atuam na área.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o
Ministério da Saúde (MS) identificam a adolescência como o período entre os 10 e
20 anos de idade. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) delimita essa
fase entre os 12 e os 18 anos.
Considerando-se um meio termo, há cerca de 34
milhões de brasileiros com idade entre 10 e 19 anos, aproximadamente 18% da
população, de acordo com o censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Um número significativo de pessoas que precisam,
e merecem, ser vistas com olhos mais compreensivos do ponto de vista da saúde,
como vem mostrando desde terça-feira o Estado de Minas, na série sobre o
desenvolvimento infantojuvenil.
Nessa fase, a escola desempenha um papel
fundamental na vida do adolescente, estimulando a convivência e o respeito à
diversidade, ajudando na aquisição de habilidades, na formação de valores e na
construção de projetos de vida.
Alguns momentos críticos da adolescência
envolvem mudanças nos mecanismos de ensino e aprendizagem, como a passagem do
quinto para o sexto ano do ensino fundamental – quando se perde o vínculo com a
professora única e aparecem mais matérias, provas e trabalhos – e do ensino
fundamental para o ensino médio, quando aumentam as cobranças sobre os alunos e
começa-se a criar a expectativa de uma escolha profissional.
Soma-se a
isso o fato de descobertas recentes mostrarem que o cérebro do adolescente passa
por diversas transformações.
A neurocientista Suzana Herculano-Houzel,
professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que pesquisas feitas há menos de uma
década indicavam que os três primeiros anos de vida seriam os únicos
determinantes no desenvolvimento do cérebro. “Isso se deve ao fato de ser o
período em que o órgão cresce e depois disso não há modificação no tamanho
total. Em outras palavras, o indivíduo termina a infância com o cérebro do mesmo
tamanho que terá na fase adulta.”
Com isso, é fácil inferir que o
desenvolvimento termina aí e que as questões típicas da adolescência são
“problemas de hormônios”. Para Suzana, essa lenda traz embutida a ideia de que
nessa fase da vida é tarde demais para interferir no comportamento ou na
educação, quando na realidade o cérebro ainda é extremamente maleável e esse
pode ser um período para receber influências positivas.
O adolescente não
deve ser tratado como adulto. O comportamento nessa faixa etária é muito
característico e estudos longitudinais (em que os pesquisados são acompanhados
ao longo dos anos) mais recentes mostram que isso está relacionado à diferente
evolução de cada parte do cérebro. “Ainda que não haja aumento de tamanho do
órgão na adolescência, a substância branca – que é o conjunto de axônios
responsável pela transmissão das informações – aumenta.
Para isso, já que o
cérebro não cresce, alguma outra parte do órgão tem que diminuir. Trata-se da
substância cinzenta (composta por corpos celulares de neurônios), e isso é feito
por meio de uma limpeza sináptica”, esclarece.
Perder sinapses
(responsáveis por transmitir informações no cérebro) parece algo ruim, mas é
necessário.
No primeiro ano de vida, uma criança tem mais sinapses que os
adultos, porque o cérebro ainda não sabe o que “vai ser” e elas oferecem
matéria-prima para essa descoberta. “Depois desse período de lapidação, a
limpeza é importante para filtrar o que funciona e o que não.
A avalanche de
sinapses, então, é substituída pelas sinapses certas. A força da repetição das
sinapses certas enfraquece as erradas, por meio de mudanças moleculares que
fazem esses neurônios menos influentes”, esclarece a
neurocientista.
Transformações
Dessa forma, fica claro que o adolescente não vira adulto
de uma vez só e que cada parte do cérebro amadurece em uma época diferente.
As
características que definem o adolescente casam com os diferentes períodos de
mudanças das várias partes do cérebro, ou seja, respeitam uma ordem de
transformações definidas por esse refinamento das sinapses. Então, uma coisa é a
capacitação do corpo, outra é a do cérebro.
O adolescente tem que passar por uma
modificação, que é a nova imagem do corpo registrada pelo cérebro.
O descompasso
do crescimento e da modificação das conexões cerebrais causa aquela fase de
“monstrinho”, desengonçada.
O cérebro, porém, consegue correr atrás e se
atualizar. “O uso que o adolescente faz do seu corpo nessa fase, como a prática
de esportes e até a descoberta no espelho, é fundamental para guiar a
adaptação”, acrescenta Suzana.
Amadurecimento e habilidades
cognitivas
Uma das maiores mudanças na adolescência diz respeito ao
sistema de recompensa e motivação. O sistema antigo, válido na infância, perde
de 30% a 50% de sua sensibilidade aos 12 ou 13 anos.
Tudo o que antes dava
prazer deixa de funcionar. A partir disso, vêm as alterações de humor, o tédio,
a busca por novidades, os comportamentos de risco, a impaciência e a propensão e
vulnerabilidade às drogas. “O acerto é igual a prazer e a antecipação do acerto
é uma motivação.
Ativam esse sistema fatores como ganhar dinheiro ou um elogio
(recompensa externa), jogar videogame (tentativa e erro), ver um rosto bonito e
outras formas de beleza, novidades, sexo, carinho, riscos, desafios”, diz Suzana
Houzel.
Os amigos ganham mais importância que os pais, que fazem parte de
um mundo antigo. Nesse amadurecimento, o adolescente abandona prazeres infantis
e passa a explorar novos ambientes, parceiros, regras sociais e interesses.
“Eles querem entender as regras, saber se têm que seguir algo porque faz sentido
ou simplesmente porque os pais querem assim.”
Somente por volta dos 15 anos, o
córtex pré-frontal amadurece, o que traz novas habilidades cognitivas e o
controle de impulsos. “Antes disso, é difícil para ele se controlar.
Depois, o
adolescente passa por um período intenso de aprendizado de interação social, de
se colocar no lugar do outro e entender o valor do arrependimento.”
Ou seja,
pais: fiquem tranquilos, porque a “aborrescência” não só vai passar como também
é extremamente necessária.